Saturday, December 22, 2007

Realidade das editoras no Brasil

Realidade das editoras no Brasil

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Aos ESCRITORES (Leiam com atenção!)
Galera, sem querer jogar um balde de água fria nos sonhos de cada um
de vcs (e nos meus, inclusive), sinto que tenho que compartilhar o que
li em outros blogs e comunidades da rede mundial de computadores.
Aqui temos a reprodução de um e-mail/resposta enviado a um autor que
enviou um e-mail de apresentação a fim de submeter seus escritos (uma
TRILOGIA de fantasia para o público infanto-juvenil) à Editora
SARAIVA. O e-mail/resposta foi enviado por uma funcionária de lá.
É muito duro ler o que ela escreveu, mas é a realidade com a qual ela
convive dentro da editora onde trabalha e no país em que vivemos.
Infelizmente não somos um país culto...
Eu já trabalhei em editora e conheço as cartas padrões enviadas aos
novos autores. Gostei da honestidade desta moça e achei que vcs
deveriam tomar conhecimento.

*Obs.: O autor já publicou seu livro de forma independente.




"Olá, Marcel!

Gostei do seu e-mail. Entendo perfeitamente a sua situação e gostaria
de expor a você o que eu aprendi com a minha experiência na área de
livros infanto-juvenis.

Como as editoras se comportam neste segmento? Elas dependem das
escolas. Nenhuma sobrevive vendendo livros juvenis em livrarias,
porque os jovens no nosso país não lêem. A minoria abastada, que
aprendeu o hábito de
leitura em casa, lê. Mas é minoria. A massa, a grande consumidora de
livros juvenis, são os alunos das escolas públicas e particulares do
Brasil. Esses jovens lêem os livros adotados pelos professores deles,
o "livro que a professora mandou ler". É dessa venda que as editoras
sobrevivem nesse segmento.

O grande comprador de livros juvenis é o governo. Ele adquire tiragens
grandes de determinados títulos para distribuí-los nas escolas
públicas. Por isso as editoras se matam de tanto trabalhar quando
surgem programas de governo, porque esta é a oportunidade de vender.
Elas precisam ganhar a concorrência com outras editoras.

Não são todos os títulos do catálogo que o governo compra. São alguns.
Os outros é preciso divulgar nas escolas. As editoras grandes têm
equipes de divulgadores pelo Brasil que visitam escolas, conversam com
professores, distribuem catálogos, enfim, fazem esse trabalho de
formiguinha para conseguir que o livro seja adotado. É da adoção em
escolas que o segmento juvenil sobrevive. A exceção é Harry Potter e
Deltora Quest, livros traduzidos e com forte apelo comercial.

Outra coisa a ser considerada: LIVROS SÃO CAROS! A maioria dos alunos
não pode despender muito mais que R$ 25,00 em um livro para-didático,
como chamamos os de literatura juvenil. Então, a maioria dos livros
para essa faixa etária não pode ser caro, nem é colorido (o que
encarece a impressão). O que eles precisam ter é material de apoio ao
professor, encarte para o professor, suplemento de leitura para o
aluno. Infelizmente, os professores querem receber tudo mastigado, não
querem ter trabalho. Há aqueles que adotam um título sem sequer tê-lo
lido. É uma realidade avassaladoramente triste.

Você conhece bem a realidade do ensino no Brasil. Desnecessário eu
dizer qualquer coisa. Então, livros mais complexos, literatura de
verdade, com trabalho de linguagem, bem escrito, com enredo que exige
mais do leitor, que requer que ele interprete, esses não têm apelo
junto às escolas. Porque nem professores nem alunos estão prontos para
trabalhá-los. Os livros juvenis mais vendidos, pode comprovar, beiram
ao óbvio e não requerem grandes esforços dos leitores em questões mais
complexas. Eles precisam abordar os "temas transversais" impostos
pelos professores (Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Trabalho e
Consumo, Ética, Orientação Sexual e Saúde). Aliás, esses mesmos
professores escolhem livros por esses temas, sabia? Os autores
"escolados" no ramo juvenil já
escrevem pensando nisso. Afastam-se, a meu ver, cada vez mais da
literatura, digo a verdadeira literatura.

É assim que as editoras grandes vêem os livros juvenis. Precisam levar
em conta as chances de ele ser adotado em escolas. Não adianta você
colocá-lo em destaque na prateleira da livraria. Não adianta PAGAR
para colocá-lo nos sites de venda on line. Se quiser vender para
leitores fora da escola, precisa de MUITO MARKETING, precisa se fazer
aparecer, o que não acontece apenas estando na livraria. Você precisa
conquistar os professores, porque, no Brasil, é só por meio deles que
o livro chega aos jovens.

Entre em uma livraria grande. Na parte de infantis, você vê crianças
folheando livros. Procure adolescentes. Veja se você encontra algum
folheando algum livro. Você encontrará ADULTOS e CRIANÇAS. Aliás, vou
além: procure nas grandes livrarias uma seção destinada aos jovens.
Não existe. Os livros juvenis estão na mesma seção dos infantis! Neste
país, jovens leitores não freqüentam livrarias. Os próprios livreiros
não colocam muitos títulos juvenis nas lojas. Colocam os mais vendidos
e olhe lá.

O que funciona para vender fora da escola? Propaganda boca a boca. Foi
assim com HARRY POTTER, ERAGON, foi assim com DESVENTURAS EM SÉRIE e
por aí vai.

Então, quando uma editora avalia o seu livro, independentemente da
excelente literatura que ele carrega, do projeto gráfico legal e da
originalidade da abordagem, SEU LIVRO PRECISA TER PERFIL PARA ADOÇÃO
EM ESCOLAS, para compra pelo governo. A produção que ele requer
precisa culminar em um produto com preço acessível. Ele não pode ter
um número grande de páginas. Essa é a realidade do país, não adianta
fugirmos dela.

Um lançamento de autor consagrado no ramo juvenil tem tiragem de 5000
exemplares. Desses, 2000 são distribuídos aos professores. Sim, de
graça. A editora PAGA para eles conhecerem o livro. Ela tira do
próprio bolso visando uma adoção futura. Apenas 3000 vão ser
destinados à venda. É absurdo, mas é assim.

Outra coisa que também está condicionada à realidade do país: a
economia não deixa as editoras ousarem, porque livro não é produto de
primeira necessidade no Brasil. Na primeira crise, as pessoas deixam
de consumir livros. Elas consomem comida, roupa, mas não livros. Isso
impede as grandes editoras de "experimentar" o mercado, aquela coisa
do "vamos ver no que vai dar, estamos arriscando essa novidade". Elas
têm a fórmula de como funciona, de como vende. Se está dando certo
assim, por que colocar tudo a perder? Entende?

Quando avaliamos um original lá na editora e o aprovamos para
publicação, seja ele qual for e de que autor for, novato ou figurão, é
feito um projeto de investimento junto com uma pesquisa de mercado. A
gente analisa a concorrência, vê se tem espaço no mercado para esse
título, o que ele tem de diferente etc. É feito um estudo estimando
quanto a editora gastará para produzir, imprimir e distribuir o livro.
Esse projeto é apresentado à diretoria, e é ela quem decide se o
título vai ou não ser publicado. Nesse estudo, é colocada uma previsão de
quando o livro vai começar a dar lucro, porque a primeira edição
SEMPRE é prejuízo. É investimento. A editora começa a lucrar na
terceira edição, se tiver sorte de o título chegar lá.

Se o título não atingir o que o projeto previa, o editor precisa se
explicar. Ele precisa dar um jeito de fazer aquele livro dar lucro ou
precisa lançar algum outro que compense esse prejuízo.

As coisas não são tão simples como parecem. As editoras não são
gráficas. Elas editam. Há pessoal que está sendo pago para ler,
avaliar, ilustrar, diagramar, revisar e editar o livro. São meses de
preparo antes de o livro sair impresso. O autor não paga um tostão.

Assim, as pessoas têm uma idéia errônea das editoras. Acham que elas
estão de má vontade, mas não é assim.

Eu trabalho em uma grande editora e asseguro a você que nenhum
original que recebemos é jogado fora. Nós devolvemos TODOS sempre que
possível. Ainda que seja cópia. Nós escrevemos uma carta explicando o
motivo da
recusa e devolvemos os originais. Não incineramos nada. Não vendemos
aquele monte de papel como aparas.

Por que não recebemos CDs? Porque imagine você se cada pessoa do
Brasil que decide enviar um original a nós o faça com CD e não em
papel... Nós não lemos no computador. Os livros são enviados a
pareceristas, são lidos por vários avaliadores, e isso precisa ser
feito em papel. A editora não pode imprimir cada disquete, cada CD que
ela recebe, do contrário não faria mais nada além de imprimir o dia todo.

Tudo isso dificulta muito a entrada de novos autores no mercado. O
nicho juvenil tem esse senão da adoção escolar. Isso, aqui no Brasil,
porque nosso país é deficiente em educação e cultura, as pessoas não
têm hábito de leitura e são analfabetas funcionais, não entendem o que
lêem.

Vá a uma livraria. Folheie os livros juvenis. Olhe as principais
coleções de cada editora (dificilmente as editoras publicam livros
avulsos de literatura juvenil, fora de coleções). Isso também conta.
SEU LIVRO É QUE TEM QUE SE ADEQUAR AOS CATÁLOGOS DA EDITORA E NÃO O
CONTRÁRIO. Ninguém vai criar uma nova coleção por sua causa, por
melhor que o seu livro seja.

Esse é o erro dos autores. Eles acreditam tanto no produto que criaram
(com razão, claro!) que se esquecem de que:
1) não são os únicos a apresentarem originais às editoras, elas
recebem quase uma centena por mês;
2) eles é que precisam das editoras, não elas deles; então, eles é que
precisam se adequar, não o contrário;
3) não há demanda suficiente para a quantidade de livros bons que as
editoras recebem para publicar. Não adianta lançar um monte de títulos
se eles não saem dos estoques;
4) livro caro não vende muito;
5) livro muito grosso assusta os jovens leitores e são caros de
produzir, o que, conseqüentemente, se reflete no preço final do produto.

Eu falo tudo isso com uma tristeza profunda, acredite. Eu sou formada
em Letras, eu amo a literatura de verdade, embora eu ajude a produzir,
na maioria das vezes, uma literatura medíocre. Porque O PAÍS É
MEDÍOCRE. Essa é a realidade, volto a afirmar. Não adianta sermos
utópicos, sonharmos com jovens devorando livros. Eles devoram a mídia
(HARRY POTTER, por exemplo). Muitos dos que compraram HARRY POTTER,
sequer o leram.

Das duas, uma: ou você analisa bem como o mercado funciona e adeqüa o
seu livro a ele (ou mesmo o adapta ou escreve outro que se encaixe no
que expus); ou vai viver nessa luta insana, remando contra uma maré
violenta.

Você disse que o seu se trata de uma trilogia. Isso já é um problema.
DIFICILMENTE ALGUMA EDITORA VAI SE COMPROMETER A PUBLICAR UMA TRILOGIA
INTEIRA DE UM AUTOR DESCONHECIDO. Ela vai publicar um livro só. Ele
precisa dar muito, mas muito certo para, aí sim, a editora publicar o
segundo volume. Trilogias não se enquadram em coleções. Isso é outro
problema. Como eu disse, é difícil abrir espaço no catálogo para
títulos avulsos. E, pelo que percebi, seu livro é literatura pra
valer, trabalha o texto em sua estrutura profunda. Isso restringe o
público-alvo. Outro problema.
Avalie bem o seu livro como PRODUTO, não como sua criação. Se, ainda
assim, você achar que ele satisfaz todos os senões que expliquei a
você, então você pode me mandar seu livro, que ficarei feliz em dar
meu parecer.

Em relação ao apadrinhamento, isso existe, sim, infelizmente. Não é
tão freqüente e não ocorre muito no segmento juvenil, mais eu já
presenciei alguns casos. O livro empaca no estoque do mesmo jeito. O
pseudo-autor que teve de se valer desse artifício só queria mesmo era
publicar por publicar, sem compromisso nenhum com a cultura, com a
educação, com a literatura.

Só status, só para dizer que já escreveu um livro. Para quem produz
literatura de verdade, isso não basta, acredito eu.

Mesmo há 8 anos trabalhando nesse mercado e estando consciente de como
ele é, não concordo com ele, não o acho justo e acho, sim, que está
longe do ideal. Mas se é ele que temos e não conseguimos mudá-lo,
temos de estudá-lo como ele é e encontrar uma forma de nos adequar a
ele. É a única solução num país que não se mexe e que caminha cada vez
mais para a ignorância, concorda?

Desculpe não poder fazer mais. E desculpe também pela extensão do e-mail.

Um abraço,
Kandy"

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