Saturday, February 9, 2008

Milícias de PMs expulsam tráfico

Milícias de PMs expulsam tráfico

Vera Araújo

Na contramão da violência produzida em áreas pobres controladas por traficantes de drogas, 11 grupos, seis deles chefiados por policiais militares, estão impondo uma nova ordem que conseguiu banir o tráfico de 42 favelas do Rio, em Jacarepaguá e na Barra. Depois da fase de esconder a identidade nas comunidades conflagradas onde moram, das quais alguns foram até expulsos, esses policiais formaram grupos armados e resolveram banir os traficantes dos pontos de drogas. O subprefeito de Jacarepaguá, Fernando Modolo, define os grupos como milícias armadas e faz um alerta:

— Houve uma redução sensível de favelas dominadas pelo tráfico na região. Essas milícias armadas formadas por policiais têm seus aspectos positivos, mas podem se tornar nocivas a longo prazo, pois você tem a ausência do poder constituído. São “xerifes” se prevalecendo da força — explicou o subprefeito — Se esta é a única alternativa ao tráfico, que eles continuem a tomar conta das favelas, mas o ideal é que os “xerifes” não fossem necessários.

Os grupos contam principalmente com a ajuda dos moradores dessas áreas carentes para denunciar os traficantes. Em contrapartida, além da segurança, esses policiais aplicam um modelo de assistencialismo semelhante ao que os bandidos adotavam no passado, financiados pelo comércio e as indústrias locais, ocupando o vácuo deixado pelo poder público na área social. São distribuídas cestas básicas para as famílias mais pobres e material para reforma de casas atingidas por disparos em tiroteios provocados pelo tráfico.

Esses grupos se comunicam por rádio e vigiam as favelas 24 horas, para evitar represália dos bandidos. Na Vila Sapê, uma das favelas sem tráfico, PMs e moradores pintaram de branco os muros que tinham pichações com nomes das facções criminosas.

Duas favelas sob o domínio do tráfico

Em Jacarepaguá, a retomada de grande parte das favelas nas mãos dos traficantes não seria possível sem o apoio do comando do batalhão. Hoje, apenas duas comunidades do bairro ainda são dominadas pelo tráfico: a Cidade de Deus e a Caicó. Tomando como base dados do IBGE do ano de 2000, sobre a população que mora em favelas em Jacarepaguá, 111.448 pessoas conseguiram se livrar da opressão do tráfico. Apesar do trabalho de resgate do poder de polícia nestas comunidades, dois grupos de Jacarepaguá estão sendo investigados pela Corregedoria Geral Unificada, pela corregedoria da PM e pelo próprio 18 BPM (Jacarepaguá), por denúncias de apropriação de imóveis de moradores expulsos por eles.

Pelo Disque-Denúncia, de janeiro a dezembro do ano passado, quando tiveram início as investidas do “comando azul”, houve 47 denúncias contra grupos. Só este ano, de janeiro a 16 de março, foram registradas 14 queixas.

Moradores denunciam ainda que há policiais ligados a grupos de extermínio e às máfias do gás e do transporte alternativo (vans, Kombis e mototáxis). Há informações também sobre a cobrança de taxas nos valores de R$ 5, de moradores, e de R$ 10, dos comerciantes, referentes à segurança prestada pelos policiais. De acordo com as investigações da Corregedoria Geral Unificada, das 42 favelas onde não há tráfico, as denúncias envolvem duas comunidades.

Apesar do volume de denúncias contra os policiais, no interior das favelas o clima é de tranqüilidade. Crianças brincam o dia inteiro, inclusive à noite. Famílias ficam conversando nas ruas e becos bem iluminados até bem tarde da noite.

— Isso aqui era um inferno. Meu filho não conhecia nem a rua direito, quando os traficantes estavam aqui. Eles mandavam a gente dormir às 20h. Hoje temos paz — disse uma moradora da Vila Sapê, que pediu para não ser identificada.

Vizinha à Cidade de Deus, onde o tráfico arrecada R$ 800 mil por mês, segundo a inspetora Marina Maggessi, chefe de investigações da Polinter, a Vila Sapê ainda teme represálias de traficantes. Como a comunidade era da mesma facção criminosa da primeira, os moradores não querem mostrar o rosto porque são vistos como alcagüetes da Polícia Militar. Apesar dos riscos, moradores que ainda vivem sob o domínio do tráfico procuram os grupos de policiais e o próprio batalhão da área para sair dessa condição. Com recortes amarelados dos tempos em que havia tráfico na favela, o presidente da Associação de Moradores do Morro do Jordão, o comerciante Carlos Alberto Jordão, conta que há quase um ano os moradores respiram mais aliviados:

— Minha mulher já teve arma na cabeça só porque não tinha como trocar dinheiro para um traficante. Eles expulsavam e até matavam moradores, se desconfiavam que eles passavam informações sobre o tráfico.

Mas ex-moradores do Jordão desmentem Carlos:

— Trabalhei muitos anos para ter minhas coisas e, de repente, perdi tudo para os maus policiais. Eles são tão bandidos quanto os traficantes. Tenho tanto medo que é melhor deixar do jeito que está — contou um ex-morador expulso pelo tráfico.

Nas denúncias apuradas pela PM, não há informações contra policiais do quartel de Jacarepaguá. Segundo o comandante do 18 BPM, tenente-coronel César Couto Lima, que já trabalhou na Delegacia de Polícia Judiciária Militar da Polícia Militar, que investiga crimes praticados por policiais, todas as denúncias estão sendo investigadas pelo serviço reservado (P-2):

— Toda informação que chega ao batalhão é checada. Quando foge da nossa competência passamos para a corregedoria ou para os batalhões onde servem esses policiais. A PM não admite desvios de comportamento. Não compactuamos com grupos de “mineira” (policiais ou civis financiados pelo comércio para exterminar bandidos).

— Foi a confiança da população no nosso trabalho que fez com que os traficantes saíssem das favelas. Depois que as pessoas experimentam o prazer de não serem subjugadas pelos bandidos, eles não voltam mais. Se alguém faz uma denúncia e percebe que a providência é tomada, sem que ele se comprometa, ele ajuda e passa a ter um vínculo conosco. Eles mesmos impedem que o tráfico retorne. O mérito é da comunidade — explicou o comandante.

Já o comandante do 31 BPM (Barra da Tijuca), tenente-coronel Paulo Mouzinho, disse desconhecer a existência de grupos de policiais armados nas favelas de sua área:

— As favelas daqui são realmente tranqüilas. Sou capaz de entrar fardado e desarmado na maioria delas. Não tem tráfico pesado, mas acredito que não seja porque policiais militares façam este tipo de serviço.

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Sargento foi o primeiro a expulsar bandidos


Dono de uma ficha policial impecável, repleta de elogios, o sargento da Polícia Militar Anderson Colombo, de 43 anos, foi o primeiro a afastar o tráfico do Morro do Banco, no Itanhangá, onde mora, há quase dez anos. O sucesso lhe rendeu o convite para se tornar presidente da associação de moradores local, cargo que ocupa há cinco anos.

— Não podemos nos encolher e ficar com medo. Temos que defender o local onde vivemos com a nossa família. Sou policial 24 horas — afirma ele.

Além do Morro do Banco, ele cuida de mais três favelas da região: Sítio do Pai João, Pedra do Itanhangá e Vila da Paz, todas no Itanhangá. Mas o que mais o aborrece é a falta de investimentos públicos nas comunidades que se livram dos traficantes. Colombo estima que 15 mil pessoas morem no morro, entre elas muitos jovens:

— É preciso ter uma ocupação social, para que o tráfico não retorne. Estes jovens precisam ter uma ocupação. Por isso, na época da campanha política, corri atrás para conseguir construir duas quadras de esportes para a garotada — contou.

Ao contrário da maioria dos colegas de farda que integram os grupos armados, o sargento Colombo não tem pretensões políticas.

— O pessoal me respeita muito e quero que continue assim sem política no meio. Não faço nada sozinho. Qualquer problema eu chamo o batalhão como uma pessoa normal — disse o policial.

Nas imediações do Morro do Banco, todos sabem que o policial mantém a ordem no local, mas mesmo assim já houve tentativa de o tráfico se instalar na comunidade. A qualquer movimento estranho na favela, o presidente da associação já inicia uma investigação.

— Teve um vez que um traficante tentou se instalar no morro. Ele não trazia a droga para cá, mas havia um movimento no seu quiosque lá embaixo. Mas ele próprio resolveu sair daqui — lembrou.

Apesar das medalhas que recebeu nos 23 anos de polícia, Colombo está há dez anos como sargento. Atualmente, ele trabalha no Grupamento Tático Móvel (Getam) e cursa direito. A ausência de tráfico fez com que os imóveis do Morro do Banco se valorizassem a ponto de uma casa custar R$ 40 mil.

Há 16 anos no morro, Francisca Santos não troca o lugar por nada:

— As crianças vivem felizes. Aqui existe paz. Só saio daqui para morrer no Ceará.

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‘Os R$ 5 que eles pagam é doação’


Passos largos, corpulento, X. se acha o dono da favela. Desconfiado, ele chega de carro importado com insulfilme na comunidade onde vive. Salta do carro usando tênis de grife e boné para se esconder e dispara: “Você está filmando?” Diante da negativa, ele relaxa e vai para a sede da associação. Perguntado se é policial, ele de imediato põe na mesa uma pistola PT 380 com a inscrição PMERJ (Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro).
Vera Araújo

Por que você não me mostra a sua carteira?

X: Não quero que me identifiquem. A Corregedoria da PM já andou atrás de mim.

Você já fez alguma coisa de errado?

X: Não. Tudo que faço é dentro da lei. Não sou justiceiro.

Por que você resolveu tirar o tráfico daqui?

X: Sou criado nesta região. Logo que me tornei policial, tive que sair daqui, mas minha família ficou. Há nove meses, minha família foi expulsa daqui.

Você resolveu se vingar?

X: Não. Foi questão de honra. Eles mexeram com a minha família. A decisão de acabar com o tráfico era moral.

Então, o que você fez para expulsar os traficantes?

X: Eu e os primos tomamos a comunidade sem disparar um tiro sequer, sem bater em ninguém. Invadimos e saímos prendendo.

Ninguém foi morto?

X: Não. Pode ir na delegacia da área. Foi na moral.

Mas houve um preparo?

X: Sim. Vendi tudo que tinha para invadir. Você sabe quanto custa a munição?

Você cobra para fazer a segurança dos moradores?

X. Não. Os R$ 5 que eles pagam é uma doação para melhorias na comunidade. Dá quem quiser. Cobrar desta gente é uma ofensa. O dinheiro deles é sofrido.

Mas você não ganha nada? E aquele carro importado?

X: Aquele carro é da segurança de um empresário que eu faço.

Como você consegue manter a ordem por aqui?

X. Antes de a gente chegar, as pessoas morriam aqui na covardia. Falam muita coisa da gente por aí. Por exemplo: havia muitos moradores inadimplentes. O pessoal devia muito ao comércio e depois corria para a favela, pois sabia que eles não entravam aqui. Agora todo mundo paga suas contas direitinho.

Os moradores não ficam com raiva de vocês?

X. Tem morador que acha que somos heróis. Chegam a pintar com o azul e branco da polícia. Eu fico orgulhoso. É o Comando Azul. Eu só fico chateado quando alguém chama a gente de “mineira”.

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Cidade de Deus na mira dos milicianos

Vera Araújo

A Cidade de Deus é o próximo alvo dos grupos formados por policias militares para tirar o tráfico das favelas. Praticamente o último reduto de traficantes na região de Jacarepaguá e Barra, a Cidade de Deus tem sua própria região administrativa e, de acordo com o Instituto Pereira Passos, há 38.016 moradores vivendo em 120,58 hectares, de acordo com dados de 2000.

O diretor executivo da Associação Comercial e Industrial de Jacarepaguá (Acija), Augusto Torres, é um dos que confirmam que a Cidade de Deus é o próximo passo para retomada das áreas conflagradas:

— Nós de Jacarepaguá vamos dar um exemplo para o resto da cidade. Vamos mostrar que é possível acabar com o tráfico de drogas. Mas quero deixar bem claro: não apoiamos a “mineira”. Estamos com o 18 BPM (Jacarepaguá).

As cenas de indústrias sendo invadidas por traficantes em fuga, toda vez que a polícia entrava numa favela, se tornam cada vez mais raras. Da mesma forma que os ônibus sendo incendiados, quando ocorria uma morte em confronto nas comunidades. Na semana passada, excepcionalmente, por causa da morte de um rapaz, uma fábrica foi invadida na Cidade de Deus.

— Os policiais militares têm mantido a ordem em Jacarepaguá. Por isso, temos doado material de construção para ajudar as famílias carentes a recuperar suas casas destruídas pelos tiros dos traficantes, na Vila Sapê — diz Augusto Torres.

Empresários reformam creches e escolas

No passado, a indústria Fink cedeu uma parte do seu terreno para a construção de uma creche na Vila Sapê, antiga Vila dos Crentes. Mas, com a invasão do tráfico, a creche ficou praticamente abandonada e totalmente depredada, como denuncia o policial que toma conta do local.

— A associação era esconderijo de produtos roubados — disse.

Nos últimos meses, com a expulsão do tráfico, os empresários reformaram a creche e estão recuperando a Escola Amiguinhos da Vila Sapê. Para proteger os moradores e evitar que os bandidos se instalem usando as indústrias da região como rota de fuga, a Cirja está instalando portões nos acessos à favela, como num condomínio fechado.

— Não podemos deixar que volte a ficar como antes — disse Augusto Torres.

Há o apoio dos empresários também na hora de oferecer empregos. Os moradores de favelas sem tráfico têm prioridade na disputa por vagas numa das fábricas da região:

— Tentamos ajudar de todas as formas. Só não damos dinheiro. Já entregamos oito cabines para o batalhão de Jacarepaguá e a nossa meta é de 12 a curto prazo. Já doamos também carros e rádios.

Na Estrada dos Bandeirantes, está sendo implantado o sistema de ronda eletrônica. Os policiais carregam um bastão eletrônico que, em contato com botões fixados em pontos estratégicos, é capaz de armazenar informações sobre a hora e o local da passagem das patrulhas.

Investimentos trazem retorno na segurança

O empenho de empresários, moradores e da polícia tem trazido bons resultados na estatística da criminalidade. Na 32 DP (Jacarepaguá) e na 41 (Tanque), delegacias que cobrem a área de Jacarepaguá, houve uma redução do número de roubos de carros, comparando janeiro de 2003 ao mesmo mês de 2004, ano em que os grupos de policiais surgiram. Foram 108 carros roubados em 2003 e 88 no ano passado.

A delegada da 41 DP (Tanque), Adriana Belém, disse que a redução da criminalidade é o resultado de um trabalho conjunto das polícias com os moradores e empresários de Jacarepaguá. Atualmente, não há praticamente tiroteios nas favelas da região, com exceção da Cidade de Deus.

— Nós costumamos brincar que Jacarepaguá tem um policial por metro quadrado. Aqui todo mundo se mobiliza e acredita no trabalho da polícia. Já trabalhei em várias delegacias, mas nunca encontrei um lugar onde tanta gente saísse de sua casa para ajudar a polícia — explicou a delegada, moradora do local.


Tanto para Adriana como para o diretor da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), delegado Rodrigo Oliveira, em Jacarepaguá a única comunidade que ainda tem tráfico é a Cidade de Deus.

— Não chega nenhuma denúncia relacionada ao tráfico de drogas nas outras favelas. Há informações de que isso se deve ao trabalho dos policiais que moram nessas comunidades — disse o delegado.

Mas para o comandante do 18 BPM (Jacarepaguá), tenente-coronel César Lima, responsável pelo policiamento ostensivo, na Caicó, formada por cinco pequenas favelas, ainda há venda de drogas.

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Em Rio das Pedras, a ‘mineira’ é a lei


O primeiro modelo de favela sem tráfico surgiu em Rio das Pedras, em Jacarepaguá, onde, de acordo com a associação de moradores, há 60 mil pessoas vivendo. O assunto é tabu entre os moradores, mas os mais corajosos contam que a lei e a ordem no local são mantidas pela “mineira”, grupo armado que mantém afastados os traficantes da região. Há informações de que, para ficarem livres do tráfico, moradores e comerciantes, além daqueles que trabalham com transporte alternativo, são obrigados a contribuir com um valor que varia de acordo com a renda da pessoa. Mesmo com a cobrança, Rio das Pedras é uma das favelas que mais crescem na cidade. Os chamados “puxadinhos” são comuns. Há até uma linha direta de ônibus, uma vez por semana, ligando um estado do Nordeste à favela.

Tudo teria começado com uma guerra interna em 1978, em que os moradores nordestinos enfrentaram os traficantes. Desde então, a “mineira” passou a fazer a segurança do local. Ex-presidente da Associação de Moradores de Rio das Pedras, Josinaldo Cruz, o Nadinho, não gosta de tocar no assunto, mas o prestígio na comunidade que não tem traficantes fez com que ele ganhasse as eleições para vereador pelo PFL. Procurado pelo GLOBO por mais de uma semana, o vereador não quis falar sobre o assunto. Mas, antes de ser candidato, Nadinho chegou a dizer que se o tráfico tentasse entrar na favela iria encontrar resistência.

Além das taxas cobradas pelo integrantes da “mineira”, há denúncias de que o comércio de gás também vem sendo manipulado por eles. Segundo um motorista de caminhão de gás, que não quis ser identificado, apenas uma empresa está autorizada a circular na comunidade. Rio das Pedras é um dos locais onde o botijão de gás custa mais caro: R$ 35, enquanto em favelas vizinhas ele custa R$ 5 a menos.

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